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Muitos moradores, síndicos ficam incomodados quando adquirem um imóvel, e a construtora ainda detêm várias unidades a venda. Nesses casos, as construtoras criam uma cláusula determinando o pagamento parcial destas unidades que não foram vendidas ainda. Na maioria dos casos a construtora a chega a pagar apenas 30% do valor da taxa, o que para a administração do condomínio é uma grande diferença.

Caso o seu condomínio esteja passando por essa situação, saiba que os Tribunais tem considerado inválida a cláusula que estipula pagamento menor pela construtora.

O dever de pagamento da quota condominial encontra fundamento no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente no art. 12 da Lei 4.591/64 e no art. 1.315 do Código Civil.

                Segundo esses dispositivos, todos os condôminos estão obrigados a concorrer para as despesas de conservação e manutenção do condomínio. Leia-se:

 Lei 4.591/64 Art. 12. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.

Código Civil Art. 1.315. O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita.

§ 1º Salvo disposição em contrário na convenção, a fixação da quota no rateio corresponderá à fração ideal de terreno de cada unidade

A construtoras/incorporadoras, aproveitando a autorização legal, inserem cláusula convencional prevendo a redução da sua parcela de contribuição para as despesas comuns do Condomínio.

Ocorre, no entanto, que embora o texto legal autorize a livre estipulação da forma de rateio, isso não significa, e não pode significar mesmo, que a cláusula convencional possa ser editada em desconformidade com o direito posto, notadamente no que tange ao princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, CF/88) e a vedação do enriquecimento ilícito (art. 884 do Código Civil).

A esse respeito, confira-se o seguinte precedente do colendo Superior Tribunal de Justiça:

Doc. LEGJUR 103.1674.7197.7300 6 – STJ. Condomínio em edificação. Consumidor. Despesas. Exoneração da construtora. Invalidade da cláusula. Lei 8.078/90 (CDC) «É inválida a cláusula que estabelece, em favor, da construtora e incorporadora, o privilégio da exoneração/pagamento parcial da obrigação de contribuir para as despesas do condomínio. Imposta na escritura de convenção por ela outorgada. Possibilidade do exame da validade de cláusula contratual à luz dos critérios objetivos fixados pelo CODECON. Recurso conhecido e provido em parte.

                Nota-se, pois, que em todo caso deve ser preservada a isonomia e descaracterizado o enriquecimento ilícito de alguns condôminos em prejuízo de outros.

Aliás, é de bom alvitre transcrever excerto extraído da brilhante sentença proferida pelo MM. Juiz Gustavo Pisarewski Moisés, da comarca de Campinas/SP, nos autos do processo n. 0006065-09.2013.8.26.0114, verbis:

Depois de instituído o loteamento ou o condomínio e vendidas as suas unidades, com algumas remanescendo em poder ou sob o domínio da incorporadora, ora autora, todos se inserem dentro de uma mesma, única e igualitária realidade, qual seja, há um montante total de despesas comuns (necessárias para a mantença do empreendimento) que deve ser custeadas pelo conjunto de proprietários.

E o único modo isonômico de custeio é a distribuição igualitária ou o rateio igualitário dessas despesas entre os condôminos, nada justificando a distinção de tratamento invocado pela autora.

A distinção de tratamento, favorecendo alguns (no caso, o próprio incorporador) em detrimento de outros, é odiosa e injurídica, não merecendo tutela alguma, até porque importaria enriquecimento sem causa, com esses últimos suportando quase que excessivamente o custeio de subsídio existente em favor daqueles primeiros (no caso, novamente e unicamente, o próprio incorporador, ora autora).

Aliás, o conteúdo da cláusula invocada pelo autor, além de ofender o primado da isonomia, ainda viola outros princípios jurídicos maiores, a saber, o que veda enriquecimento sem causa, o de probidade negocial e o da boa-fé objetiva, bastando isso, e tão-só isso, para o reconhecimento de sua ineficácia e de sua invalidade.

 Portanto, conquanto o legislador tenha dado certa liberdade na forma de rateio das despesas condominiais, tal estipulação deve ser feita com olhos postos no princípio constitucional da isonomia, vedação do enriquecimento ilícito, probidade negocial e boa-fé objetiva.

Nessa senda, qualquer privilégio que beneficie um ou mais condôminos em detrimento dos demais, deve ser veementemente reprochada.

Especificamente em relação às construtoras/incorporadoras, os Tribunais pátrios vêm rechaçando essa prática, se não vejamos:

 Despesas condominiais. Ação declaratória de nulidade de cláusula de convenção condominial. Cláusula abusiva, que ofende a isonomia entre a ré e os demais condôminos, e a equidade ao permitir que a construtora pague apenas 30% da taxa condominial das unidades autônomas não comercializadas. Prevalência do interesse coletivo sobre o individual. Sentença mantida. Recurso improvido (TJSP – Apelação 0028797-29.2013.8.26.0196 – Rel. Des. Nestor Duarte – DJ 14/03/2016)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. Condomínio edilício. Pretensão de condenação da construtora ao pagamento das despesas condominiais de unidade de sua propriedade. Sentença de procedência. Apelo da ré. Alegação de que cláusula prevista em convenção de condomínio limita a quantia a ser paga pela construtora a 30% do valor da taxa condominial paga pelos demais condôminos. Abusividade da disposição, que institui verdadeiro privilégio em favor da construtoraem prejuízo dos adquirentes das unidades. Violação ao princípio da isonomia que não pode prevalecer. Reconhecimento de obrigação de pagamento do valor integral da taxa condominial. Precedente deste Tribunal. Inexistência de notícia de venda do imóvel ou de entrega das chaves a adquirente. Responsabilidade tão somente da construtora pelo pagamento das despesas condominiais. Sentença mantida. Negado provimento ao recurso (TJSP – Apelação 0015816-02.2010.8.26.0348 – Rela. Desa. Viviani Nicolau – DJ 02/07/2015).

 AÇÃO DE COBRANÇA. ENCARGOS CONDOMINIAIS. ARTIGO 31º. DA CONVENÇÃO CONDOMINIAL PREVENDO QUE A CONSTRUTORA PAGARÁ SOMENTE O PERCENTUAL DE 50% DAS TAXAS CONDOMINIAIS. PREVISÃO MANIFESTAMENTE ILEGAL, PORTANTO, AFASTADA, NO CASO CONCRETO, POR OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA ENTRE OS CONDÔMINOS. R. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO QUE MERECE SER PRESTIGIADA. RECURSO DA CONSTRUTORA REQUERIDA QUE NÃO COMPORTA PROVIMENTO (TJSP – Apelação 0134001-64.2010.8.26.0100 – Rel. Des. Alexandre Bucci – DJ 23/01/2014).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. Condomínio edilício. Pretensão de condenação da construtora ao pagamento das despesas condominiais de unidade de sua propriedade. Sentença de procedência. Apelo da ré. Alegação de que cláusula prevista em convenção de condomínio limita a quantia a ser paga pela construtora a 30% do valor da taxa condominial paga pelos demais condôminos. Abusividade da disposição, que institui verdadeiro privilégio em favor da construtora, em prejuízo dos adquirentes das unidades. Violação ao princípio da isonomia que não pode prevalecer. Reconhecimento de obrigação de pagamento do valor integral da taxa condominial. Precedente deste Tribunal. Inexistência de notícia de venda do imóvel ou de entrega das chaves a adquirente. Responsabilidade tão somente da construtora pelo pagamento das despesas condominiais. Sentença mantida. Negado provimento ao recurso.” (v.20033).(TJ-SP , Relator: Viviani Nicolau, Data de Julgamento: 02/07/2015, 3ª Câmara de Direito Privado)

Constata-se, com hialina clareza, que a estipulação de cláusula contratual que privilegia a construtora/incorporadora em detrimento dos demais condôminos é nula de pleno direito.

 Quanto à medida judicial adequada para anular cláusula convencional eivada de tal vício, vale a pena conferir texto pinçado do voto do eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior no bojo do REsp 151.758/MG:

 “o lesado por disposição abusiva inserida em convenção a que aderiram os adquirentes das unidades pode propor ação para declaração de nulidade da cláusula, independentemente de assembleia de condôminos, mesmo porque a própria obtenção da maioria necessária poderia estar inviabilizada se a construtora detiver, como se alegou, número de quotas suficiente para impedir a pretendida modificação” Conclui-se, pois, que toda e qualquer cláusula convencional que estabeleça forma de rateio que implique privilégios em favor de construtora/incorporadora em detrimento dos demais condôminos carrega em sua gênese a pecha da ilegalidade e inconstitucionalidade, sendo, portanto, nula de pleno direito. Cabe ao condômino que se sentir lesado ajuizar a escorreita medida judicial com vistas a obter a declaração judicial da nulidade da cláusula eivada de vício, sem prejuízo de ajuizamento de ação pelo próprio condomínio, que é diretamente prejudicado em razão do déficit na sua arrecadação mensal.